A Figalli Tapetes sempre faz questão de mencionar o termo botéh quando este design se encontra tecido em algum tapete do nosso catálogo. Mas, qual é o significado deste design? Qual é a sua história? Você conhece as origens desta figura e sabe por que é tão popular em todo o mundo? Você verá que a história do botéh é muito mais complexa do que a sua forma simples aparenta.
Classicamente, o design do botéh tem a forma de uma lágrima curva. É um design que conduz o olho para cima e para baixo, criando uma sensação de equilíbrio. Embora não exista um formato padrão, os elementos que compõem o design são sempre os mesmos: uma figura em forma de lágrima, às vezes com um topo alongado e curvo. Geralmente, contém um desenho ornamentado no centro, mas não necessariamente.
O botéh é um design que prevaleceu nas mais variadas formas, se espalhou pelo mundo e continua enriquecendo o repertório artístico persa e indiano. Desde a forma mais simples e minimalista – um design em forma de folha – até a mais estilizada e altamente intrincada, com vários botéhs curvilíneos e em diferentes formatos geométricos, este design permanece sendo reelaborado há pelo menos mil anos.
Malayer, 1900
Seda com distintivo real sassânida retratando as asas de Homa ou Senmurv, VI – VII séculos, Victoria & Albert Museum, Londres
Embora a tradução do termo botéh ou butéh em farsi seja botão de uma flor, ramos de folhas ou arbusto, a categoria possui significados bem mais profundos. A figura do botéh é frequentemente interpretada como “semente”, o que sugere que o todo sempre existe dentro da parte. O conceito mais comum é que o botéh representa uma nova vida que brota de uma pequena semente. A ideia de semente remete a noções de fertilidade, renovação e regeneração.
No entanto, a sua natureza, identidade, significado e local de origem ainda são objetos de controvérsia entre os estudiosos da arte. A história deste design é tão ampla que talvez nenhum outro ornamento no mundo das artes tenha circulado e se transformado por várias regiões e entre diferentes grupos étnicos.
Alguns acreditam que este motivo é uma forma decorativa de uma amêndoa, outros o conhecem simplesmente como uma folha estilizada. Há aqueles que o pensam como a imagem de uma pera e outros o entendem como uma metáfora que representa o fogo de Zoroastro. Há e sempre houve conflitos de pontos de vista na interpretação de sua natureza e seu significado, sem mencionar a disputa sobre o local de origem: Pérsia ou Índia.
Alguns autores especulam teorizando, sem oferecer nenhuma evidência, que o design botéh se originou na antiga Babilônia em 1700 a.C. Outra ideia, carente de qualquer evidência, sugere que o botéh seja um design derivado da chama do fogo que permanece sempre aceso nos templos de Zoroastro. Argumenta-se que seu motivo floral é originário da dinastia Sassânida (200-650 d.C.) – momento em que o Zoroastrismo esteve mais fortalecido antes da ascensão do Islã na Pérsia. A chama que arde continuamente é considerada o coração da adoração nos templos zoroastrianos. No entanto, embora se possa dizer que há uma grande semelhança entre o formato do botéh com a chama do fogo, não evidência alguma, além de uma mera especulação que foi a chama dos templos de Zoroastro que deu origem ao design botéh.
Outros historiadores acreditam que nas artes produzidas durante os últimos anos dos sassânidas e dos primeiros séculos do Islã, houve uma relação simbiótica entre as formas do cipreste e o botéh, sugerindo que esse design antigo emergiu do cipreste. De acordo com uma tradição zoroastriana registrada pelo poeta Daqīqī, o próprio Zoroastro trouxe uma muda de um “cipreste nobre” (sarv-e āzāda) e a deu de presente ao rei Kayanid Goštāsp, que a plantou, como um memorial de sua conversão ao zoroastrismo, perto do primeiro templo do fogo (Āḏar-e Mehr Borzīn), em Khorasan. Desta forma, acredita-se que o design botéh seja uma representação de um floral combinado com um cipreste, um símbolo zoroastra da vida e da eternidade. Uma forma que se assemelha a uma semente que representa a fertilidade.
Relevo no Palácio de Persépolis representando um soldado da Guarda Imortal e o cipreste
Construída entre o início do século VIII e a primeira metade do século IX d.C., acredita-se que a Mesquita Noh Gunbad é o edifício mais antigo da era islâmica no Afeganistão.
Há múltiplos exemplos da presença deste design nas artes iranianas pré-islâmicas e pós-islâmicas, no entanto, não há ainda evidência da relação do botéh com o Zoroatrismo. Na verdade, as primeiras manifestações deste antigo design foram encontradas bem antes, nas artes dos Citas e dos Aquemênidas, principalmente retratadas como as asas da figura mitológica Homa ou Senmurv e que perduraram da mesma maneira até o período sassânida.
É comprovado, no entanto, que após a chegada do Islã na Pérsia, o uso do design botéh se estendeu para quase todas as artes persas, aparecendo em trabalhos de cerâmica, estuque, terracota, metal, vidro, obras têxteis e tapetes. O botéh é bem visível em uma das mesquitas mais antigas, chamada Mesquita Noh Gumbad (Masjid-i Haji Piyadah), construída na primeira metade do século IX, localizada perto de Balkh (antiga Báctria), no Afeganistão. Construída com tijolos de barro e coberta com gesso, a mesquita era ricamente decorada no interior com arabescos entalhados. Boa parte da decoração, embora desgastada pelo tempo, permaneceu preservada. As superfícies das colunas apresentam entalhes de arabescos e os medalhões florais retratam claramente o design botéh.
Mas, houve um momento em que o botéh em sua longa história, passou por uma transformação de status e começou a ser usado como emblema real (termo em farsi: jegheh). Em meados do século XVI, durante o governo persa da Dinastia Safávida, o motivo botéh jegheh, agora de uso exclusivo da realeza passou a ser encontrado nos ornamentos das vestimentas dos príncipes e imperadores. Assim, não mais considerado uma representação ornamental do eterno cipreste nem relacionado com a imortalidade e atemporalidade, o botéh jegheh tornou-se símbolo da soberania e do poder absoluto. Por isso, um grande número de pinturas e tecidos safávidas apresentam o botéh jegheh como marca distintiva da realeza nas coroas de reis e príncipes.
A partir do momento em que o design botéh jegheh passou a ser de uso exclusivo da monarquia, seu uso além do âmbito da corte quase desapareceu. É por este mesmo motivo que o botéh jegheh também não aparece nos tapetes reais da Dinastia Safávida. Um objeto real não deveria ser pisado ou representado sobre um objeto colocado no chão. De forma que o botéh jegheh continuou a aparecer nos tecidos com fios de ouro que a realeza se vestia, mas não nos tapetes deste período da história persa.
No entanto, na mesma época, enquanto os ateliês reais de tapetes não empregavam mais este design, os artistas têxteis das aldeias distantes, sem se importar com o status real do botéh jegheh ou possivelmente sem ter noções de seu status real, continuaram a empregar este design em seus tapetes.
Ornamento botéh jegheh na Coroa de Nader Shah Afshar Imperador da Dinastia Safávida, Pérsia (1688-1747)
Diferentes variações do design botéh em tapetes
Xale feito de lã da Caxemira. O painel central apresenta uma estrela de doze pontas e quatro designs botéh com a ponta dobrada. A borda externa também tem botéhs com o mesmo formato e motivos florais.
No final do período Safávida (c. 1736), o design se espalhou amplamente por todo o território persa, voltando a ser um design usado nas artes em geral, além dos tapetes. Além disso, a forma do botéh assumiu novas formas e migou para outros lugares. No final do século XVII, o botéh se tornou um design popular na Índia Mughal (1526-1857), que mantinhas estreitos laços culturais com a Pérsia. No norte da Índia, o botéh, que em hindi e urdu significa flor, passou a ser empregado especialmente nos xales tecidos com a fina lã da Caxemira. Conhecida como pashmina, esta lã de qualidade insuperável é composta de fios superfinos da lã das cabras montesas do Himalaia. Os primeiros exemplos sobreviventes do motivo botéh nas tecelagens da Caxemira são do século XV d.C. Possivelmente foram encomendados por Zein-al-Aabedin, sultão que trouxe os designs persas para a Índia. Desde então, o motivo se tornou muito popular entre os xales de lã da Caxemira. No período Mughal, o design botéh foi reimaginado com representações de plantas e flores para se assemelhar a um arbusto florido e curvilíneo como no xale abaixo.
Na primeira metade do século XVII, a British East India Company introduziu na Europa xales e outros artigos de tecido feitos na Caxemira. A Grã-Bretanha assumiu a liderança na fabricação dos xales femininos usando o design botéh, quando em 1790 e 1792 os tecelões de Edimburgo e Norwich começaram a reproduzir os xales da Caxemira em apenas duas cores, geralmente o índigo e o vermelho. Os tecelões da cidade de Paisley na Escócia, juntaram-se a essa crescente indústria em 1805. Em 1812, os tecelões de Paisley conseguiram usar cinco cores diferentes de fios. Essa inovação deu aos tecelões de Paisley uma vantagem competitiva sobre os tecelões de outros lugares que usavam apenas duas cores. Não demorou muito para que o nome da cidade Paisley se tornasse sinônimo do motivo botéh e a demanda por xales cresceu à medida que as mulheres de toda a Grã-Bretanha começaram a procurar os ‘paisleys’. Na Europa botéh é chamado paysley.
Da Grã-Bretanha, o botéh se espalhou pelo mundo e tornou-se um design global. Continua sendo luxuoso mesmo em suas formas mais simples ao apresentar uma arte inerente e atrativa. Embora a figura do botéh ainda seja retratada na maioria das vezes na forma de uma lágrima, o design também passou ser recriado em versões mais abstratas.
Depois deste longo percurso sobre a história do botéh, será que é possível afirmar que este design possui diferentes significados e representações para diferentes pessoas independentemente da região? Ou será que um dia será possível traçar sua história e transição de um império, cultura e religião para outro? Até que novas descobertas arqueológicas sejam feitas, restam apenas especulações sobre as origens do botéh e os seus significados.
Mas, uma coisa é certa. O botéh é um design fascinante e agora que você sabe sobre as suas raízes antigas, há um motivo especial para você apreciar os antigos tapetes que possuem este desenho intrigante. A Figalli Tapetes lhe oferece peças maravilhosas agraciadas por este enigmático design.